sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Rio Jequiezinho clama pelas mãos caridosas da esperança






No texto abaixo, o ambientalista e professor jequieense Raimundo Novaes escreve um texto histórico e poético sobre o Rio Jequiezinho. Em suas linhas, ele chama a atenção das autoridades e cidadãos sobre a importância de revitalizar este rio que já foi tão importante para a vida de várias gerações. Leia:
Leito artificial e pavimentado do Rio Jequiezinho, no centro de Jequié. Foto: A. Moura
Leito artificial e pavimentado do Rio Jequiezinho, no centro de Jequié. Foto: A. Moura
O Rio Jequiezinho, manancial de águas transparentes e salobras, está morrendo. Esse corpo hídrico que serpenteia em trajetória curta e com volume d’água tênue e discreto, se vê transformado num rio temporário, em partes, tão violentamente interrompido pelo avanço das pastagens, que se torna impossível ao observador menos avisado, perceber que existe ali vestígios de um rio. As poucas águas que lhes restam, interrompidas por represamento, são em alguns pontos ferruginosas, e o seu sabor acentuadamente salgado. O seu fluxo é leve, quase estagnado, suas precipitações parecem lágrimas de despedida escorrendo em uma face desfigurada. Esse quadro se completa ao se ouvir os soluços abafados da sua frágil correnteza, o que outrora representou um caudaloso afluente do rio de Contas. As atividades econômicas tão dependentes desse manancial no passado negaram-no a contrapartida, a sustentabilidade, ação determinante para a sua sobrevivência. Dessa forma sentenciaram-no a uma morte lenta e dolorosa, até que o vapor de suas tétricas lágrimas desapareça em névoa seca.
Nascimento e percurso
Geograficamente inserido na bacia do rio de Contas, o Jequiezinho nasce na região do Barreiro na localidade conhecida como Zumbi, situada nas proximidades da divisa entre os municípios de Lafaiete Coutinho, e Lajedo do Tabocal. As suas águas tomam corpo quando chove pesado na sua cabeceira, hoje com as suas matas nativas ceifadas para dar lugar às lavouras de café, e seu volume é complementado por córregos igualmente temporários que acabam servindo de agentes de assoreamento para o seu leito, em muitos pontos pedregoso e sombreado por uma vegetação cada vez mais rarefeita de juazeiros, calumbis e quixabeiras. As intervenções humanas com represamento e abertura de cacimbas,acabam desnutrindo essa valiosa artéria hídrica. Em seu percurso,o viajante que aventurar-se a contemplá-lo,ainda pode presenciar, em estado de abandono ou ruínas, as antigas sedes de fazendas, como a Baixa Grande, a Parreira e o Impú, algumas surgidas na segunda metade do século XIX. Hoje, as pastagens da fazenda Horizonte, vale onde o jequiezinho se expressava com pujança e vida fluente, esconde os poucos vestígios da existências de um rio escamoteados por um solo arenoso e entrelaçado por uma massa de brachiaria decumbens, onde no passado reinava soberano o bengo. Assim o município de Lafaiete Coutinho se despede do seu mais importante manancial. A partir daí as terras jequieenses lhes oferece leito até o rio de Contas, com os mesmos golpes de depredação e poluição. A fazenda Salobro é um marco divisório, ainda nos seus antigos limites pode-se perceber tudo o que há de mais odioso e cruel contra um manancial, os efluentes líquidos e sólidos provenientes do aterro sanitário. A localidade conhecida como Suiça expõe sem remorsos o corpo necrosado, revelando a sua morte anunciada e clamando as carpideiras de plantão para portarem as suas taças.
A esperança
O borbulhar fétido do líquido enegrecido que emporcalha as águas do rio, já em leito artificial e pavimentado, prenuncia os acordes de uma marcha fúnebre, ouvidos por quem circula pela avenida que lhe cerceia as margens, numa área de valor imobiliário alto e de onde se pode presenciar os sinais de crescimento econômico da cidade. No entanto, havendo vontade política e determinação da sociedade civil organizada, a sentença pode ser revogada e o rio revitalizado. Assim, as mãos caridosas da esperança arrebatarão as taças das carpideiras e devolverão a ele um sopro de vida.
- Por Raimundo Novaes (Raimundão), professor e ambientalista

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