Um computador, por mais protegido que esteja, é
potencialmente vulnerável a vírus e invasões cujos métodos se aperfeiçoam na
mesma proporção dos aplicativos protetores. Desconfio que algumas empresas
proprietárias de antivírus mantêm um setor específico para criar os que elas
próprias, depois, vão eficientemente combater. É a melhor explicação que
encontro para a propagação dessa praga cibernética.
A urna eletrônica usada nas eleições do Brasil é
semelhante a um micro. É programada por seres humanos e seu software é
alterável de acordo com as peculiaridades de cada pleito. Por ser programável
pode sofrer a ação de maliciosos que queiram alterar resultados em seus
interesses e modificar o endereço do voto com mais facilidade do que se inocula
um vírus no seu micro via Internet. Além disto, pode desvendar nosso voto, pois
o número do título é gravado na urna na mesma ocasião e fica a ela associado.
Há várias formas de se fazer isto. Por exemplo: é
possível introduzir um comando que a cada cinco votos desvie um para
determinado candidato mesmo que o eleitor tenha teclado o número de outro.
Talvez eventuais alterações maliciosas sejam
possíveis de serem detectadas a posteriori. Mas descobrir a fraude depois de
ocorrida não adianta. O importante é prevenir.
A preocupação com a vulnerabilidade da urna
eletrônica é antiga. Pode ser acompanhada no site Voto Seguro, mantido por
técnicos especializados, engenheiros, professores e advogados que defendem que
a urna eletrônica virtual – que não registra em apartado o voto do eleitor e
que será usada nas próximas eleições – admite uma vasta gama de possibilidades
de invasões, sendo definitivamente insegura e vulnerável.
Recentemente o engenheiro Amílcar Brunazo Filho
(especialista em segurança de dados em computador) e a advogada Maria Aparecida
Cortiz (procuradora de partidos políticos) lançaram o livro “Fraudes e Defesas
no Voto Eletrônico” (capa acima), pela All Print Editora, no mínimo
inquietante. Mesmo para os não familiarizados com o informatiquês ele é claro e
transmite a idéia de que as urnas eleitorais brasileiras podem ser fraudadas.
São detalhados os vários modos de contaminação da
urna e se pode depreender que, se na eleição tradicional, com cédulas de papel,
as fraudes existiam, eram também mais fáceis de ser apuradas porque o voto era
registrado. Agora não. O voto é invisível e, como diz o lema do Voto Seguro:
“Eu sei em quem votei, eles também, mas só eles sabem quem recebeu meu voto”,
de autoria do engenheiro e professor Walter Del Picchia, Professor Titular da
Escola Politécnica da USP.
O livro detalha a adaptação criativa de fraudes
anteriores, como o voto de cabresto e a compra de votos, e outros meios mais
sofisticados, como clonagem e adulteração dos programas, o engravidamento da
urna e outros. Além das fraudes na eleição, são possíveis fraudes na apuração e
na totalização do votos.
O livro demonstra que a zerésima – um neologismo
para a listagem emitida pela urna antes da votação e na qual constam os nomes
dos candidatos com o número zero ao lado, indicando que nenhum deles recebeu
ainda votos, na qual repousa a garantia de invulnerabilidade defendida pelo TSE
-, ela própria pode ser uma burla porque é possível se imprimir qualquer coisa,
como o número zero ao lado do nome do candidato, e ainda assim haver votos
guardados na memória do computador (página 27).
O livro não lança acusações levianas. Explica como
as fraudes podem ocorrer e ao mesmo tempo apresenta soluções, ao menos
parciais, como o uso da Urna Eletrônica Real – que imprime e recolhe os votos
dos eleitores em compartimento próprio – ao contrário da urna eminentemente
virtual, que não deixa possibilidade de posterior conferência.
O mais instigante é que os autores e outros
técnicos e professores protocolizaram no TSE pedidos para efetuar um teste de
penetração visando demonstrar sua tese e isto lhes foi negado, apesar da
fundamentação usada.
O livro cita o Relatório Hursti, da ONG Black Box
Voting, dos EUA, em que testes de penetração nas urnas-e TXs da Diebold
demonstraram que é perfeitamente possível se adulterar os programas daqueles
modelos de forma a desviar votos numa eleição normal (página 25).
Pelo menos 375 mil das 426 mil urnas que serão
utilizadas nas eleições de 2006 são fabricadas pela Diebold. Elas foram, por
esses motivos, recusadas tantos nos EUA quanto no Canadá.
É óbvio que a fraude não necessariamente ocorrerá.
É óbvio que a grande maioria dos membros do TSE e dos TREs, desde o mais até o
menos graduado, é honesta e, por isto, podemos dormir em paz pelo menos metade
da noite.
Sei disso porque fui Juiz Eleitoral em Iraí,
Espumoso, Novo Hamburgo (onde presidi o famigerado recadastramento eleitoral,
saudado como um golpe às falcatruas que se revelou frustrante ao abolir a foto
de eleitor no título e abriu o caminho para outras fraudes) e em Porto Alegre.
Era Juiz quando pela primeira vez foi utilizada, no Brasil, a urna eletrônica,
isto em 1996, e não percebi nada de anormal.
Aqueles eram outros tempos e a novidade da máquina
deslumbrava a todos e era tida e havida como segura, principalmente pela
atuação do pessoal encarregado de sua manipulação.
Mas depois que se descobriu que o Poder Judiciário
não é imune à corrupção – veja-se o caso de Rondônia – nada é impossível,
principalmente em matéria eleitoral. Por isto é incompreensível a negativa do
TSE em admitir o teste requerido e, o que é pior, insistir em utilizar a Urna-E
Virtual com apoio na Lei n. 10.740/03, aprovada de afogadilho e sem o merecido
debate, ao invés da mais segura Urna Eletrônica Real.
Se não é certo, em Direito, dizer que quem cala
consente é, todavia, correto dizer que quem obsta o exercício de um direito é
porque tem algo a esconder. Ou, por outra, que há alguma coisa que aconselha a
ocultação. Ou porque – e agora estou me referindo ao caso concreto – se intui
que pode haver algo de podre no seio da urna eletrônica que poderia provocar
severas desconfianças às vésperas do pleito.
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