DE “SENTA COM VONTADE” A “BOTA COM RAIVA”: UM ROSÁRIO DE IMBECILIDADES
Enquanto vemos a mídia alardear a notícia
de que nove integrantes de uma banda de pagode de Salvador estupraram duas
menores (uma delas virgem), no pequeno município de Ruy Barbosa, oeste baiano,
também aflora uma infinidade de inevitáveis reflexões. A primeira delas é sobre
a concepção que se constrói da mulher, sobretudo entre adolescentes e jovens
cuja personalidade ainda esteja em formação.
Dá
asco só de imaginar a seguinte cena: dois jovens “músicos” estavam dentro do
banheiro covardemente violentando as meninas, ao passo que os outros sete
aguardavam sua vez fazendo batucada e entoando o côro apregoado pelo hit de
outra banda da capital: “bota com raiva/ bota com raiva/ bota com raiva/
botaaaa…”.
Durante
o revezamento, os colegas caprichavam na percussão, cantando o principal
sucesso daquele grupo: “ela senta, senta, senta/ senta, senta com vontade”.
Deplorável! Porque, segundo depoimento prestado à polícia, as garotas não o
fizeram por vontade. Aliás, por terem apenas 16 anos, legalmente falando, elas
sequer poderiam decidir sobre tal ato.
É
preocupante saber que tantos meninos – e também meninas – têm incutida em seu
imaginário a visão da mulher como mero objeto sexual, reles pedaço de carne.
Lamentável imaginar que um garoto de 13 anos pode olhar para uma gatinha da
mesma idade e, de forma bastante crua, pensar: “se essa ‘nêga’ me der mole, eu
esculacho!”.
O
ideal da fêmea como objeto a ser devorado não permite que o garoto saiba que
ela conquistou o mesmo direito de ter prazer que ele sempre teve. Nesse sentido,
quem apenas quer que a garota lhe “dê a patinha” não deve ter noção de uma
regra básica que diferencia o homem do menino: para usar uma expressão bem
soteropolitana, ele só é o “miseravão da ladeira” quando consegue que a sua
parceira também chegue ao clímax.
Olhando
sob um prisma macro, sabemos que o Brasil tem a primeira mulher presidente da
República, a primeira mulher ocupando a presidência da Petrobras; elas também
são maioria no número de aprovados em concursos e no ingresso em universidades.
Esse é o ponto positivo.
Por
outro lado, essa batalha de gênero parece ainda engatinhar quando, 90 anos
depois, ainda existem homens querendo apenas uma fêmea que obedeça quando ele
ordena, a la Coronel Jesuíno: “deite, que hoje eu quero lhe usar”. A forma é outra,
é claro, mas o ideal de dominação é equivalente. Para onde vamos? Que formato
terão as futuras famílias?
Perdoem-me
se a indignação fez o texto descambar para a rota da “guerra dos sexos”. Esse,
definitivamente, não é o norte do necessário respeito mútuo e da tão desejada
igualdade de direitos entre homens e mulheres. Uma coisa é certa: o roteiro não
passa pelo falso ideal plantado por outro hit que diz: “mulher é que nem lata/
um chuta e o outro cata”.
*Celina
Santos é chefe de redação do Diário Bahia.
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